Entrei embaixo do armário e fiquei lá. O chão estava frio. Meus pés iam congelar a qualquer momento, eu podia sentir. Se fechar os olhos, sinto agora mesmo. E as lágrimas rolaram até o pescoço, deixando um rastro molhado que ia me gelar mais ainda depois. Odeio que me vejam chorando, dá uma raiva. Mas ninguém ia me ver ali. Eu precisava de tempo. Pelo menos um tempinho. Precisava me sentir grande e segura, mas não consegui. Nem na lembrança. Precisava daquele poder, aquela sensação de grandeza. Mas não tinha nem como me enganar. Quando foi que eu comecei a chorar mesmo? Antes ou depois de cair? Não lembro se foi antes ou se foi depois. Não sei porquê. Não consigo me lembrar. Sei que suspirei e inspirei e expirei e solucei e mais lágrimas pingaram pelas bochechas e fizeram seus tracinhos molhados até o pescoço mais uma vez. Acho que não to me concentrando muito bem. Comecei a contar, daquele jeito que me ensinaram, começando do cem e voltando. Noventa e nove. Noventa e oito. Noventa e sete. E aí ela olhou pra mim. Noventa e sete. Mais uma lágrima correu se juntar às outras, pra secar lá no peito. Noventa e seis. Ela disse algum coisa, que eu não sei se entendi. Noventa e cinco. Mas eu não queria falar sobre isso, eu não queria ouvir. Noventa e quatro. Senti as unhas dela apertarem o meu braço. Fechei os olhos. Não queria sentir nada, não queria ouvir, não queria saber. Solucei alto. Acho que alguém me ouviu. Noventa e três. Eu preciso me esconder melhor. Não quero que alguém me veja chorando. Sempre perguntam a mesma coisa. Noventa e dois. “Por que você 'tá chorando?”, eles sempre querem saber, todos eles. Mas eu não sei, eu não sei mais. Eu quis esquecer e eu consegui. Agora eu não sei. Só sei que tá tão frio lá fora e eu não consigo dormir de novo. E toda vez que eu penso que amanhã eu tenho que voltar naquele lugar e que as pessoas vão olhar pra mim e falar comigo, eu sinto as formigas de novo no meu estômago. E entala alguma coisa na minha garganta. Tem alguma coisa errada comigo. Noventa e um. Ou noventa? Então eu começo a tremer. E parece que é tudo culpa minha. Eu acho que pode ser que seja mesmo. Mais uma lágrima e um soluço. Podia ter trazido o travesseiro e uma coberta. Mas eu não quero que ninguém me veja. Eu não quero que ninguém lembre que eu existo. Eles vão me mandar pra lá de novo, aquele lugar. E vão falar comigo e olhar nos meus olhos. Eu vou ficar com medo e vão querer saber. Vão perguntar. Por que você tá chorando? Mas eu ainda não vou ter forças. Porque eu só tenho cinco anos. E por mais que eu saiba uma porção de palavrões e tenha uma porção de respostas, eu só sei chorar e tremer e soluçar e me esconder embaixo do armário e querer (não querendo) que esqueçam de mim. Que não me obriguem, que não me deixem lá outra vez. Mas eu não tenho palavras, não tenho argumentos, não tenho voz. Eu tenho cinco anos de novo. O que eu tava tentando lembrar mesmo?
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