Não consigo me lembrar desde quando e também não tenho certeza do por que, mas o fato é que eu sempre quis uma irmã. Desde pequenos, minha mãe já havia nos acostumado com a idéia de que seríamos quatro: dois meninos e duas meninas. Antes mesmo do segundo menino nascer, já tínhamos os nomes dos dois que restavam e falávamos sobre eles como se suas presenças estivessem garantidas. Talvez somado ao fato de que eu sempre adorei bebês e também da idéia de acompanhar de perto uma vida desde seus primeiros dias. Já tinha um irmão mais novo, mas não era a mesma coisa. Queria uma irmã e queria ser mais velha e mais consciente quando ela chegasse. Provavelmente não acabaria sendo como eu imaginava, mas acredito que algo em mim esperava alguém que pudesse me fazer sentir ligada a um membro da família.
Quando eu tinha uns 13 anos aconteceu. Depois da fase da dúvida, um exame confirmou que era verdade: ela (ou ele) estava a caminho. Eu mesma fui até o laboratório pegar o resultado enquanto minha mãe esperava no carro. É claro que não agüentei e assim que coloquei minhas mãos no envelope, abri e procurei pela palavra que tanto queria ler: positivo. Meu coração batia desesperado de alegria, um sorriso maior que o próprio rosto mal expressava meu contentamento e já começava a imaginar como tudo seria dali em diante.
Minha memória me fez o favor de gentilmente borrar o tempo em que nos iludimos pensando em nomes, comprando roupinhas e brinquedos, enquanto imaginávamos como seria seu rosto. Mas acredito que não tenha sido mais de dois meses. O que parecia ser um dia como outro qualquer acabou sendo o primeiro dos piores que viriam a passar. Algumas dores e um sangramento levaram nossa iludida gestante a uma consulta médica que nos trouxe a notícia da má formação do feto. Que ironia saber que ele não havia desenvolvido o coração e que desgraça saber que já estava morto, ameaçando a vida de sua, até então, progenitora. Foram longos dias no quarto, com os nervos à flor da pele, nos quais me vi forçada a suportar mais do que poderia. Entre tristeza e desilusão, mal tive tempo de me refazer de um choque antes de receber os vários que vieram nos dias que se seguiram.
Cinco anos depois e eu já nem esperava por nada. Quando um dos freqüentes e irritantes alarmes de desconfiança de uma suposta gravidez apitava em meus ouvidos, prolongando-se na forma de uma nova esperança. Tentava resistir e não me acostumar novamente com a idéia, não dar credibilidade, esperar por confirmações mais consistentes. Mas minhas esperanças foram mais fortes do que eu e como sempre, estúpida o bastante pra acreditar em qualquer coisa que me dissesse o que eu queria ouvir, me deixei levar por evidências que me pareciam suficientes. Mesmo que ainda faltasse a confirmação final (um exame de sangue), lá estava eu novamente, na terra das listas de nome de bebê e nos devaneios sobre o futuro.
Ainda era preciso uma confirmação final para que começássemos oficialmente a nos fazer de idiotas. Com o exame de sangue marcado para a manhã seguinte depois de umas duas semanas de suspense, fui dormir esperando que o dia seguinte chegasse logo para acabar com as dúvidas que cruelmente ainda perturbavam minha razão, por mais que eu quisesse me considerar plenamente convencida de que era verdade. Já havia espalhado pra quase todas as pessoas do meu convívio, fazia planos e sonhava que dessa vez tudo daria certo.
Na manhã seguinte minha mãe me acordou, pedindo pra que eu fosse junto fazer o exame. Mas eu havia dormido muito tarde e acordar cedo não é do meu feitio (especialmente nesse semestre ocioso, dedicado unicamente a fazer faculdade no período noturno), então virei pro outro lado e continuei a dormir. E como em todas as manhãs de sono, tive sonhos surreais e um tanto bizarros. Entre várias coisas aparentemente sem sentido, a mais nítida foi a que eu entrei em uma casa na qual estava uma das irmãs de minha mãe. Ela se referia a um bebê que eu não sabia quem era, dizendo que havia dado banho nele e colocado enrolado em uma toalha em cima de uma cama. Comecei a procurar, até que o encontrei em um quarto todo pintado de branco, sob dois ventiladores ligados. Meu coração palpitava quando o segurei em meus braços, ainda molhado e muito gelado, ouvindo seu choro baixinho. Desesperei-me, pedindo ajuda e dizendo que o bebê ia morrer se eu não fizesse alguma coisa. Tentava aquecê-lo, em vão, ainda gritando por ajuda e recebendo de volta um silêncio que me dizia que estava lá sozinha. Ainda tentava fazer alguma coisa por ele quando percebi que não estava mais respirando. Aos poucos, fui me dando conta da morte dele, e enquanto ainda chorava sobre seu corpinho inerte, vi que agora havia se transformado em uma boneca. Abracei minha pequena ilusão em uma tentativa de trazê-lo de volta, mas ao invés disso, ele havia se transformado em papelão. Tentei tocá-lo mais uma vez e, então, se esfarelou em minhas mãos caindo aos pedaços no chão.
Mal havia acordado e ainda sozinha em meu quarto, já sabia o resultado do exame.
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puxa =/
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