Jogou as calças no chão, e deitou com uma camiseta qualquer. Não dava pra perder tempo vestindo pijama.
Depois de um dia inteiro maquiando tudo: o rosto, as vestes, os sorrisos, os sentimentos.
Não haveria de se disfarçar para dormir. Havia pouquíssimo de casual nisso.
Talvez estivesse sendo observada por um binóculo indiscreto de algum prédio paralelo.
Entretanto, pouco se importava. Quando se trata de privacidade, estabelecemos novos conceitos para cada situação.
E naquele momento, o negócio era só se enfiar na cama de uma vez e pronto.
Por que ali, entre sua velha camiseta de uma banda cujo nome o tempo deu jeito de apagar, e suas pernas dobradas,
só havia lugar para seus pensamentos. Para uma leve e insone confusão mental, e uma brisa, possivelmente imaginária,
a desarrumar seus cabelos e cerrar suas pestanas.
O dia que havia passado revisava-se diante de seus olhos. Sentiu seus lábios repetirem tudo que havia dito, e sua boca
se preencher pelo acre gosto das palavras que não se permitiu dizer. Era o tipo de pessoa que prefere não se exaltar,
não provocar a discórdia. Para então, sorver puro ácido, a corroer suas entranhas.
Sentiu sua língua ferver, enquanto salivava de vontade de expulsar as palavras, libertando sua boca de insuportável
martírio.
No ímpeto de justificar-se por seu próprio silêncio, pôs-se a lembrar de sua própria vida.
Lembrar-se de quem era, antes de se deixar dominar por completo por sua nova e forçada existência.
Antes que deixasse que os ditames de sua juventude camuflassem sua personalidade e vontade própria.
Quando ainda não havia se tornado tão etérea e insossa, a ponto de poder ser considerada invisível.
Que desejo excêntrico, desaparecer na própria existência. Encontrar um ponto cego na própria vida para se alojar.
Mesmo sabendo que não era tímida. Mesmo sabendo que sua capacidade era maior do que ela poderia imaginar.
Seu desejo por anular-se ia além. Chegou àquele ponto em que as palavras já não faziam diferença.
No auge do desejo infantil de corrigir a humanidade; seguido, logicamente, pela infeliz descoberta de que todos os seus atos seriam em vão.
De que tudo seguiria da mesma maneira, independente de seus sacrifícios pela causa.
Ninguém seria condescendente. Vivendo em um mundo de frios empresários sedentos por dinheiros, onde uma vida vale menos que nada, se não vier em cédulas.
Hamsters, em suas gaiolas pretensiosas, girando velozes em suas rodas, atrás de dinheiro. Mas sem sair do lugar fétido em que se encontram,
no qual são obrigados a alimentar-se sobre seus dejetos.
Quis correr e gritar. Pensou que poderia ter dado um salto, se não estivesse presa em seu sonho consciente.
Foi súbitamente possuída por um incontrolável desejo de tentar avisar alguém.
Por que o mundo é maravilhoso. As nuvens são tão lindas, o céu é tão azul. As árvores são perfeitas.
As frutas, presentes da natureza, que nos beija os olhos com seu sorriso verde.
Temos que nos salvar. Temos que abrir os olhos.
Se não estivéssemos sonhando...
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3 comments:
texto fabuloso, confecional? eu acredito que tudo que a gente escreve de uma forma ou de outra passou pela nossa experiência e sofrer um pouco ajuda a alimentar essa sede de dizer. Se a literatura nos salvar, já será uma grande coisa. Salvar do quê? desse mundo esquisofrenico em que vivemos já tá bom. bjo
"Sentiu sua língua ferver, enquanto salivava de vontade de expulsar as palavras, libertando sua boca de insuportável
martírio." (adorei essa parte, vc conseguiu descrever um ânseio de uma maneira espetacular)
Nossa, nossa, nossa, nossa 0_0 que coisa mais perfeita!!!
Eu poderia comentar parte por parte, mas ia diminuir magnitude desse texto.
Aaaaaaaaaaaaaaah eu amei, me identifiquei, posso dizer que tirou aspalavras da minha mente (hauhauahua).
tudo ficou perfeito, desde a idéia, o vocabulário, as expressões, o sentimento, tudo 0_0
"A felicidade consiste em imaginar que tudo é um grande e estranho sonho" (Jack Kerouac, "Viajante Solitário)
É bom eu me imaginar diante do universo toda noite pra não morrer de depressão.
Excelente texto :D
:*
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