Friday, November 17, 2006

Solidão a Dois IV

Nunca havia visto olhos tão profundos. Ela disse que gostava de ler, de escrever, de se expressar. Mas com aqueles olhos? Acho que nem precisa. Logo na primeira vez que os vi, já me disse tanto. Eu nem ao menos costumava fazer o que fiz naquele dia em que a vi, mas quando senti o que senti vindo daqueles olhos, nem precisei pensar duas vezes.
Foi o tipo de coisa que costuma se dizer que só acontece uma vez. E é verdade.
Já vi mulheres bonitas, mas nenhuma me fez dizer o que poderia me fazer passar por bobo. Quando falei justo as coisas mais idiotas que poderia ter dito. E por incrível que pareça, acabou dando certo com ela. Ou não.
Não sei.
Quer dizer, eu sei diversas coisas.
Quando eu vejo aqueles olhos, seguido pelo sorriso dela, seguro sua mão e beijo sua boca; sei que preciso de mais um punhado de poucas coisas e é só correr pro abraço. A sensação pode ser definida como ter uma certeza. Principalmente pra mim, eu sempre me senti deslocado, em tudo! Parece que é um dom que eu tenho. Mas com ela.. é como se eu tivesse encontrado um lar (naqueles olhos!), um lar que não tive nem no próprio lar.
Mas nem só de doce se faz a doçura, pois não é o amargo que faz o sabor do doce tão bom quanto se deve ser? Acho que ando vendo filmes demais. Às vezes aqueles olhos me dizem coisas que não gosto de ouvir. Nem sempre tudo são flores. Nem só de dias de sol se faz o clima no paraíso.
Ela tem crises de vazio. Vazio em mim.
Bateu um silêncio a mais, e não dá outra: já acha que é alguma coisa. Eu não sei explicar. Acho que não é nada. Sabe quando não se tem o que dizer ou fazer? Aquelas coisas pseudo-subentendidas, que ninguém entende ou se dá ao trabalho de explicar ou querer ouvir a explicação. Deve ser o gosto pela minúcia, vai saber, esses escritores. Mas parece que ela quer preencher cada momento com um significado, e o único que sobra para definir o silêncio é a angústia ou algum derivado. Tanto faz, talvez ela tenha razão. Não gosto disso, de querer se aprofundar em cada segundo. Tem momentos que devem simplesmente passar e não se tocar mais no assunto, sem achar ou querer dizer que foram alguma coisa. Sem procurar coisa onde não houve nada além do silêncio ou do barulho da descarga. Um tempo pra pensar um pouco no futuro, talvez no almoço ou no acasalamento das borboletas. Qualquer coisa que possa ser completamente esquecida, sem receber o mínimo de importância, pois não merece a tal. Fim. Pra mim é isso.
Não que me irrite. Longe disso.
O que acontece é que acaba sendo uma oportunidade pra esvair um pouco de um sentimento que esteja no ar, em algum lugar, e que talvez nem devesse existir. Algo como pensar que está em um lugar, sendo que deveria estar em outro. Parar pra pensar, achar que está.. sei lá! Dentro de um filme? É, andamos vendo filmes demais. Aí ela já coloca a música e faz aquela cara de quem não está gostando nem um pouco, e está a ponto de explodir uma cena dramática, com todo o toque de impacto cinematográfico, típico de quem não tem lá muito o que fazer. Aí vai lá e escreve o roteiro de um clipe, pra depois rir quando re-ler (anos depois) e jogar fora com a papelada na faxina da primavera.
- Meu Deus. - Eu poderia jurar que a ouvi dizer.
- Odeio quando isso acontece! - E não é que ela disse mesmo?
- Isso o que? - Disse eu, em minha hipócrita inocência de quem não captou o momento.
- Ah Lorenzo, às vezes parece que você vai longe. - (essa doeu ein, e olha que eu nem entendi)
- Mas o que eu fiz? - Como eu sou inocente, não?
- Você sabe o que eu quero dizer! Eu odeio quando isso acontece.
- Então me desculpe...
Ela fez aquela cara de tédio, que ficaria perfeita na cena em que ela está imaginando, em plano americano, mostrando seu olhar de perfil. Tão esnobe.
- Eu não sei o que eu fiz, eu só queria ficar numa boa.
- Eu sei o que você quer. Você quer que eu fique aqui, sendo a sua barbie, e quando você se cansar de brincar e quiser fazer outra coisa, eu fique quietinha e vá procurar outra coisa pra te deixar em paz. Por isso você fica quieto fazendo essa cara.
- Credo. Não diz isso! Daonde você tira essas coisas?
- O problema é que você é muito egoísta. Não adianta falar sobre isso, você jamais admitiria.
- Por que egoísta? Meu Deus! Já pensou que quem está sendo egoísta é você, dizendo tudo isso? Eu só quero o melhor pra nós, e quem sabe o melhor fosse ...
- Eu egoísta, Lorenzo?
Ela nem me deixa terminar, já está furiosa, mas por dentro eu sei que está rindo. Conseguiu a ênfase dramática para a sua cena: uma pequena discussão, sem alteração de vozes.
- Eu dou o meu melhor por nós dois. Você sabe que eu faço o que for pra que tudo dê certo.
- Sim, mas...
- Mas você! Você não. Você quer se ver livre de mim, principalmente quando faz essa cara. Você quer que eu abaixe a cabeça, sorria, te dê um beijo e diga que estarei na sala quando você precisar. É isso que você quer que eu faça, Lorenzo?
- Como é?
- Não adianta falar com você.
Ela agarrou a bolsa com violência, procurando nem ao menos olhar pra mim uma outra vez. Se virou mais rápido do que deveria, dando aquele balanço charmoso no cabelo, típico de quem está saindo furiosa. Deu seus passos pesados, e saiu batendo a porta atrás de si.

E foi assim que eu nunca entendi as nossas brigas.

Lorenzo G. Cigliutti

1 comment:

Anonymous said...

sua capacidade em captar e demonstrar setimentos, me surpreende (sério, isso é muito bom XD).
até onde minha capacidade negra permite chegar, eu percebi que passou um tempo entre os capítulos de Solidão a Dois.
Eu achei isso, porque o III termina com eles pseudo flertando(lol) e o outro começa com a descrição , no ponto de vista do galanteador Lorenzo (!), da Agatha.
Continua escrevendo, personagem da Disney *runs*! Porque se você continuar nesse ritimo e qualidade, eu futuro só será um: sucesso ^^' ( e oba! mais dinheiro para mim n_n).

tá, essa foi uma tentativa de comentário. *failure*

mesmo você sendo branca, pode contar comigo para qualquer coisa XD

:*