Solidão a Dois III

Estava caminhando pelo shopping, procurando um caminho para seus passos.
A gravidade se faz ainda mais severa sobre o peso da solidão quando se é véspera de natal. Com os ombros encolhidos e os olhos baixos, Agatha sentia o frio da solidão, apesar do clima tropical da época do natal em seu país. Descansou as mãos das sacolas que carregava, e se debruçou na grade para admirar a decoração natalina. Aquele espírito tão feliz e solidário do natal não lhe inspirava nada de bom naquele momento. Nada estava indo muito bem em sua vida . Um novo ano se aproximava, e nada parecia sair do lugar. As compras só haviam lembrado a ela que, com exceção dos seus pais, o que tornava mais deprimente seu 23º natal, não ganharia presentes de uma pessoa especial naquele ano. Mais um ponto aumentando sua lista de fracassos.
Levantou o olhar para os anjos pendurados no teto do shopping, e foi baixando, até alcançar o nível dos olhos das pessoas que estavam do outro lado. E seu olhar foi puxado, como que magnéticamente, para o olhar de um rapaz que estava do outro lado, na mesma posição que ela: debruçado na grade. Como não sorrir para um moço tão bonito?, pensou e sorriu. Ele retribuiu o sorriso, o que foi muito gratificante , pois havia visto pouquíssimos sorrisos tão cativantes e penetrantes quanto aquele.
E mais tarde, quando foi tomar um café, lá estava ele de novo, na mesa em frente a sua. Ergueu sua xícara, pedindo um brinde. Ela ergueu a xícara e deixou escapar um risinho "Um brinde à droga desse ano". Ele sorriu novamente e foi o bastante pra ela esquecer que estava se sentindo mal.
Depois do café, era a hora de sua última parada, e conseqüentemente, a mais demorada: a livraria. Como a livraria era bem grande e tinha uma diversidade satisfatória, ela sempre costumava demorar por lá, admirando os livros. E como hoje ia levar alguns, talvez demorasse um pouco mais, pois se tratava de seu presente de natal.
Desfilando calmamente por entre as prateleiras, ia se entregando ao deleite da escolha de um livro. Tantos títulos, tantos autores, o mundo ficava para trás.
Ao perceber que estava sendo observada, ergueu a cabeça; e lá estava ele!
O cara do outro lado da grade e do brinde com o café. Sorrindo novamente.
Precisou de um pouco de coragem pra dizer:
- Oi.
- Oi - respondeu ele, e sua voz era encantadora. - Uma livraria na véspera de natal. O que fazemos aqui?
- Gosto de livros.
- Mas aposto que não seria o melhor presente para o seu namorado.
Ela suspirou e colocou a mão na testa. Fazia sempre que se sentia intimidada.
- Que bom que não tenho namorado, então. Aí posso comprar um livro e me dar de presente, como compensação por ser uma encalhada.
- Apesar do pessimismo, a idéia é boa. Acho que vou fazer o mesmo que você...
- Agatha!
- Christie.
- Como?
- Agatha Christie!- Ele sorri mostrando um exemplar de Nêmesis na mão.
- Ah sim, ela! E você é?
- Ninguém famoso, mas pode chamar de Lorenzo que eu atendo.
- Muito prazer. - diz Agatha estendendo a mão para cumprimentá-lo. - Então você será o primeiro.
- Seria o primeiro Lorenzo, pelo menos nessa livraria.
- Quanta honra.
- Pois é. Mas eu estava pensando..
- Em que?
- Já que neste natal também me encontro sem companhia.
- Encalhado, também.
- Se você prefere se referir assim - ri ele, - Então é, estou encalhado também. E como eu adorei a sua idéia e estou a ponto de fazer o mesmo.
- Vai se compensar por isso com presentes?
- Acho que vou. Mas não seria melhor pro nosso ego e auto-estima se pudéssemos nos ajudar?
- Como?
- Bem, já que estamos a ponto de gastar em presentes mesmo, que tal se fizermos o seguinte: eu compro um pra você e você um pra mim? Com dedicatória e tudo, e aquela história de ser uma surpresa. É mais divertido.
- Gostei. Ótima idéia! Realmente, o que seria do natal sem uma surpresa?
- A vida adulta?
- Infelizmente. - riem um para o outro satisfeitos com o acordo.
- Então está combinado. Daqui uma hora, debaixo da árvore do shopping, no térreo, está bom pra você?
- Claro, mas antes eu preciso saber do que você gosta!
- Ah, isso é muito simples: eu gosto de ser surpreendido.
E saiu andando, mas não sem antes parar, olhar para trás e dar outro daqueles charmosos sorrisos, cheio de significados e fazendo Agatha se derreter diante de tanta beleza e simpatia.