Saturday, August 19, 2006

O Jacaré

Um dois três passos, nunca consigo contá-los. Saio de casa preocupada com isso.
Ou seja, com absolutamente nada!
São quase oito horas da manhã, o horário é estúpido e a manhã deveria ser produtiva: cada um em seu respectivo travesseiro, sem perturbar o próximo. Mas as coisas não podem ser fáceis, há algo errado com o mundo, eu não sei o que é. Parece que é alguma coisa relacionada a tempo, dinheiro e coisas a fazer: um ciclo sem fim, só pra cair cansado em cima de um caixão e levar uma mensagem bonita na lápide... "saudades"! Mas saudades de que? Do seu mau humor matinal e da sua expressão ranzinza indo trabalhar? Bobagens.
Mas eu tranquei a porta, coloquei os pés pra fora e senti uma garoa arrepiando meu cabelo e os pinguinhos nas lentes dos meus óculos. Quem liga? São pinguinhos e é esse o serviço deles.
No caminho (curto), meu tênis desamarrou umas cinco vezes, e eu tive que me abaixar para amarrá-los. A garoa se intensificou. As chaves caíram umas três vezes. E eu pensei em voltar pra minha cama quentinha só umas novecentas e trinta e sete vezes.
Bem no dia em que eu cheguei lá e descobri as aulas mais inúteis do universo me esperando (se alguém souber pra que serve a sociologia ensinada no ensino médio.. por favor, não me conte! daria uma discussão feia!) Alguns séculos depois, e é hora de voltar. Bem que poderia voltar mesmo. Acaba a aula, eu chego em casa e são 7:40 de novo, aí eu vou lá e aproveito a vida. Isso sim, seria aproveitar a vida! Mas não, o tempo é inútil e cruel para com os preguiçosos.
Um, dois , três passos pra fora de lá. Eu não odeio esse prédio. Não odeio essas pessoas. Não odeio nada. Odiar significa muito, e nada disso representa alguma coisa pra mim. É como estar sentado em um lugar qualquer, e de repente uma mosca começar a sobrevoar ao meu redor, tentando impertinentemente pousar no meu nariz. Não é culpa da mosca, ela é irracional, ocasional, despropositada. Eu estou lá sentada, vulnerável a ela. Se tem algo ou alguém pra odiar, essa sou eu. Que andei até lá e me sentei a espera dela.
E no caminho de volta, escolho a chave. São duas iguais na mesma argolinha. Se eu olhar com mais atenção, elas são levemente diferentes na ponta. Uma parece com um jacaré, dois olhinhos e aquele caminho de elevações até o focinho..um perfeito jacaré espiando desconfiado, imerso na água. A outra só parecia grama.
Quando você é invisível, e até mesmo o vento esquece que você está no caminho, pegar a chave certa na primeira tentativa é importante. É importante que os detalhes dêem certo. É importante não tropeçar, e não esquecer nada. Deixar tudo no lugar. Por fora, pelo menos, quando na cabeça está tudo espalhado e perdido. Pisei no jardim de casa, chutei as pedras, evitei as fezes caninas. Segurei novamente a argolinha com as chaves. O jacaré piscou pra mim, pedindo para ser escolhido. Coloquei-o na fechadura e girei.
Era a chave certa!

6 comments:

Anonymous said...

Descontraído, engraçado, extremamente real, e como sempre, muito bem escrito, né :D
hauhauahauhauahau, Perfeito em certos momentos, como vc pode tirar exatamente o que tah dentro da minha cabeça, e sentir tudo o que eu sinto, ver tudo da msm q eu hein?? Ainda vou descobrir isso u_u
Olha! Um estilo diferente do teu normal, um dos melhores textos depressivos q eu já li XD
bjs_o//

Anonymous said...

eu quis dizer "da msm forma q eu" *****

Olívia Fiusa said...

1º Adorei o post, só os artistas conseguem ver um jacaré numa chave.. sério esmo, você escreve bem..
2º a morta não sou eu, aquela história veio pronta em um sonho, por exemplo.. eu estudo, e a morta não. entende?
uheuheuh
bjs.

Anonymous said...

Vale a intenção de ler, mesmo que eu tenha demorado até entender qual era a do jacaré na história.
Quanto ao texto, em geral, discordo plenamente dele xD Há mais a fazer do que se conformar achando que a inutilidade e o ódio estão em quem se sente mal com o que está à sua volta.
=* mana

Anonymous said...

é muito divertido! bom, para a gente que é sádico ao ponto de se deleitar com o quão patéticas e mediocres as pessoas conseguem ser é muito divertido!

O Marvin tá ótimo! Foi tão bem feito que esses dias ele sofreu um queda acidental e não sofreu nem um arranhão!

L. M. de Souza said...

retribuindo a visita e o comment. valeu pelo link. a Ju tinha colocado um link seu num post dela e eu havia dado um xeretada por aqui. é bom saber que há vida inteligente no porto. bjo